No país em que a população começa a cobrar nas ruas os seus direitos, governantes, parlamentares, magistrados e até fiscais do dinheiro público ainda mantêm privilégios absurdos para o trabalhador comum
Imagine um emprego com bom salário, motorista, tanque cheio, conta de telefone celular paga, direito a passagens aéreas para viajar até mesmo a passeio, duas férias por ano, plano de saúde sem desconto e com reembolso total de todo tipo de despesa médica, jornada de serviço de apenas três dias e casa para morar. Pode parecer sonho, mas ele existe. E o patrão é você. Todas essas mordomias, e mais algumas, fazem parte do dia a dia de senadores, deputados federais e estaduais. Tudo custeado com recursos dos cofres públicos. Mas eles não são os únicos. Magistrados, conselheiros dos tribunais de Contas e integrantes do Ministério Público também desfrutam de privilégios e benesses inimagináveis para um trabalhador comum, como cargo vitalício, licença remunerada e aposentadoria compulsória com vencimento integral como punição para alguma irregularidade cometida no exercício da função.
Como se não bastassem tantas regalias, alguns ainda têm direito a certos “mimos”, como um “assessor de check-in”, funcionário especializado em agilizar os voos no aeroporto de Brasília de senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). De terno e gravata, ele providencia o cartão de embarque, o despacho das malas e ainda carrega as bagagens de mão. Tudo para evitar que essas autoridades tenham que enfrentar filas ou se misturar aos demais passageiros.
No Congresso Nacional, deputados e senadores, que recebem salários de R$ 28 mil, têm direito ainda a cota para cobrir despesas com Correios e gráfica, auxílio para se mudar para Brasília, assessores e consultores, verba para comprar terno e gravata e ainda foro privilegiado. Regalias estendidas às assembleias legislativas, onde o salário é de cerca de R$ 20 mil. A maioria dos parlamentares estaduais tem também direito a auxílio-moradia, até mesmo os que possuem imóveis próprios na cidade sede do Legislativo. E uma jornada enxuta, mesmo caso dos vereadores. Em boa parte dos municípios brasileiros, vereadores são obrigados a comparecer nas câmaras, seu local de trabalho, apenas duas vezes por mês ou, em alguns casos, uma vez por mês. No Congresso Nacional, o expediente é de terça a quinta, com direitos a recessos em janeiro, julho e dezembro.
Com salários na casa dos R$ 28 mil, os ministros do STF têm direito a cota de passagens que deve ser gasta em viagens oficiais, mas pode ser estendida a parentes, quando, diz uma resolução interna de 2010, a presença deles for indispensável. Os magistrados e também os representantes do MP têm ainda benefícios como auxílio-alimentação, licença remunerada para estudar no exterior e duas férias por ano de 30 dias cada – com direito a um terço a mais do salário por período.
O Poder Executivo não fica de fora das benesses. Ministros e secretários de estado recebem dinheiro para participar de conselhos da administração pública e empresas estatais. O extra é chamado de jeton e a justificativa é que o dinheiro é uma forma de compensação por usar quadros renomados no poder público tentando equiparar os vencimentos com os praticados pela iniciativa privada. Ex-presidente e também alguns ex-governadores seguem recebendo o salário após deixar os cargos. No caso dos presidentes, eles têm direito também a dois carros oficiais e oito funcionários até o fim da vida.
Um contraste não só com a rotina do trabalhador, mas também com a dos colegas da Suécia, onde os parlamentares não têm direito a assessores, secretária, carro oficial. Lá, o que lhes cabe é apenas um apartamento funcional de até 40 metros quadrados, com cozinha e lavanderia comunitárias.
Verdadeira pauta ética escondida na gaveta
João Valadares
A tentativa da Câmara e do Senado de implementar uma agenda positiva a partir da pressão popular deixou de fora projetos moralizadores, engavetados há vários anos, que ajudariam a limpar a imagem do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. O “mutirão ético” esqueceu de colocar na ordem para votação temas essenciais, a exemplo de matérias que tratam do fim do foro privilegiado para políticos, da redução de verba de gabinete, da abolição de aposentadoria compulsória para magistrados que cometem faltas graves e da criação de varas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa.