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domingo, 14 de maio de 2017

Histórias de Capoeiras: O homem que morreu duas vezes

Por Junior Almeida

Foi com o título igual ao desse texto que a Revista “O Cruzeiro”, uma das publicações mais importantes do país na época, publicou em suas páginas uma reportagem de um fato no mínimo inusitado acontecido na cidade de Capoeiras, no Agreste de Pernambuco, em meados dos anos sessenta. O caso foi assim: um cidadão que morava em São Bento do Una, de nome Antônio, tinha um caminhão Chevrolet com alguns anos de uso com o qual ganhava a vida de feira em feira carregando passageiros e feirantes com suas mercadorias. Uma das feiras que “seu” Antônio frequentava era a de Capoeiras, essa no tempo com mais de meio século de existência.

Na cidade o seu veículo era chamado de “marinete” e como todo Antônio é Tonho, em Capoeiras o homem era “Tonho da marinete”. Geralmente em cidades do interior o meio de vida ou o local que se mora é incorporado ao nome. É fulano do leite, cicrano da padaria, beltrano da fazenda, e assim por diante. Pois bem. Todas as sextas-feiras, após distribuir mercadorias e toldas dos feirantes, Tonho estacionava sua marinete próximo a igreja matriz, do lado direito para quem fica de frente para a casa de Deus. Seu ponto de apoio, ou arrancho, como se diz na região, era na casa de comércio de Zé Inácio, também chamado por alguns de Zé de Diola. Tonho da marinete tinha muita amizade com os donos da casa, o casal Zé Inácio e Diolinda Bezerra, a Diola. Como o lugar era pacato, o dono do caminhão nem se preocupava em fechar à chave as portas do veículo, ao menos que chovesse aí ele fechava pelo menos os vidros.

Zé e Diola já tinha os filhos, Gildo, Ieda e Gilberto, e alguns meninos da vizinhança sempre estavam pela casa brincando com as crianças do casal. Em um dia de feira daquele ano, o menino Acidézio, o Dezinho de Lila, que morava próximo e tinha mais ou menos oito anos de idade estava brincando na casa de Zé Inácio. Como menino é cheio de ideia, foi um piscar de olhos para resolver brincar no caminhão, que estava estacionado próximo a bodega onde Tonho da marinete se arranchava. Primeiro ele subiu na carroceria e como ninguém reclamou nada, ele resolveu entrar na cabine do velho Chevrolet. Brincando de dirigir, fazendo o barulho do motor com a boca, o empolgado Dezinho resolveu passar marcha. Não deu outra: o terreno em declive fez com que o caminhão começasse a descer.

Em frente à igreja existia uma feira de panelas de barro, e quando de dentro da bodega Zé Inácio e Tonho da marinete viram, já foi o povo gritando desesperado que o caminhão estava descendo a ladeira sem ninguém guiando, e já tinha passado por cima de meio mundo de peças de cerâmica. Dezinho estava dentro da marinete, mas como era pequeno e com os solavancos do caminhão desgovernado caiu no assoalho, ninguém o enxergava. Foi um Deus nos acuda. O dono do caminhão e o bodegueiro tentavam em vão parar a marinete, colocando cepos de madeira nos pneus, mas como o Chevrolet já estava embalado, nada o deteve.

O momento era delicado. Só Deus impediria uma desgraça de grandes proporções, afinal era dia de feira e a cidade estava apinhada de gente. A gritaria era grande, o desespero maior ainda. O caminhão já tinha descido um bom pedaço de rua quando em frente onde nos dias atuais funciona o Atacado Multi Vendas, de Luiz Wanderley, vinha em sentido contrário ao caminhão um enterro. Como Deus nunca desampara os seus, ele ouviu as súplicas agoniadas daquele povo, e usou um corpo sem vida de um filho seu, para salvar a vida de muitos. As pessoas que seguravam o caixão do defunto e todo o povo que acompanhava o enterro, a princípio não entenderam o que estava acontecendo, mas quando viram aquele monstro de ferro vindo em sua direção sem ninguém dentro, soltaram o ataúde no chão, e foi cada um por si.

Foi à sorte. Aliás, foi Deus, ou mesmo São José, que testemunhava tudo através de sua imagem ali pertinho, na torre da igreja. O caixão ficou caído no meio da rua, no local exato que fez com que os pneus da marinete desviassem levando o caminhão a bater numa casa, que funcionava o hotel (restaurante) de Mané Lu, vizinho de onde hoje é o mercado de Taraó. O susto foi enorme, mas aquele abençoado defunto foi usado por Deus para que os danos fossem apenas materiais e que várias vidas fossem salvas naquele dia. Como o caso repercutiu em toda região, uma equipe de reportagem da Revista o Cruzeiro, esteve em Capoeiras e posteriormente contou a história do “homem que morreu duas vezes”.

Essa é uma história real ocorrida na cidade de Capoeiras. Aqui narrada por Junior Almeida e autor do livro: "A Volta do Rei do Cangaço". Ele reside e é comerciante no nossa cidade. 

Texto compartilhado pelo autor nas redes sociais.
Foto: Matriz de São José, ano 1975, do arquivo de Junior Almeida