Mesmo quem critica os preconceitos os tem dentro de si como qualquer outra pessoa criada no mesmo ambiente social. O que nos diferencia é a vigilância em relação a eles e a tentativa de criticá-los de modo refletido em alguns e não em outros. Mas todos nós somos suas vítimas. Afinal, eles nos são passados desde tenra idade quando não temos defesas conscientes contra eles. E nos são transmitidos normalmente não como discurso articulado, o que facilitaria sua crítica, mas por coisas como olhares, inflexão de voz, lapsos, expressões faciais, etc. Tudo isso por parte de pessoas que amamos e que tendemos a imitar. As crianças decodificam o que esses sinais procuram dizer e assumem para si os preconceitos “naturalizando-os” como naturalizamos o ato de respirar, ou o fato do sol nascer todos os dias.
É desse modo que toda a classe média desenvolve uma mistura de medo e de raiva em relação aos pobres em geral. Com relação aos pobres que as servem a relação pode se tornar, eventualmente, mais ambígua, especialmente nas frações mais críticas que tentam desenvolver mecanismos de compensação para sua “culpa de classe”. Mas a regra é o sadismo mesmo nessas relações mais próximas de modo muito semelhante ao tratamento dos escravos domésticos na escravidão. A continuidade é óbvia. Como nunca criticamos a escravidão, e como sempre, inclusive, tentamos torná-la invisível como se ela nunca tivesse existido, suas práticas continuadas com máscaras modernas também não são percebidas como continuidade.