Fotos: Vitor Serrano/BBC |
Em 2014, dois parques de geração de energia, que totalizam 220 torres na zona rural do município no agreste de Pernambuco, foram instalados nas comunidades rurais de Sobradinho e Pau Ferro.
Eles se transformaram em um teste de resistência para um grupo de 120 famílias de pequenos agricultores que vivem bem perto delas — em alguns casos, a cerca de 150 metros — por conta do barulho alto e ininterrupto produzido pelos aerogeradores em uma área acostumada ao silêncio da roça e ao som dos animais da caatinga.
“Vocês que vêm de fora e estão filmando elas, é bonito. Mas venham morar debaixo delas para você ver o barulho por 24 horas, dia e noite. É esse zupo, zupo, zupo… Precisa a pessoa ser forte, forte de Deus, não é de carne e feijão, não”, diz Acácio Noronha, que vive em um sítio de apenas um hectare desde que nasceu, há 64 anos.
Os moradores relatam que as torres, com 120 metros de altura e hélices de 50, fomentam ansiedade, insônia e depressão, o que fez com que muitos ali começassem a tomar ansiolíticos. Também falam dos sustos causados pelas sombra das hélices, divisão de famílias e a saída forçada de suas fazendas.
As duas comunidades ficam a cerca de 10 km da réplica da casa de Dona Lindu, mãe de Lula. A casinha original, de taipa, desmoronou com a chuva. Quando Lula nasceu, Caetés ainda era um distrito de Garanhuns — por isso, o presidente costuma dizer que nasceu ali. Só em 1963, ela se emancipou.
Além das histórias antigas e orgulhosas, em Caetés fala-se bastante do petista também em tom de preocupação.
Isso porque o governo Lula anunciou para os próximos anos um investimento de R$ 50 bilhões na chamada transição energética, que pretende substituir gradualmente combustíveis fósseis por recursos renováveis e com menos impactos ambientais, como energia eólica e solar.
O barulho fica no meu ouvido'
Eleitor de Lula, com uma toalha do presidente pendurada na fachada de casa, Acácio Noronha mora em três cômodos a 150 metros de quatro torres instaladas na fazenda de vizinhos, em Sobradinho.
O barulho, diz ele, aumenta ou diminui a depender da força do vento e do horário.
“Você não dorme, não tem aquele prazer de deitar e descansar. Quando cochila, acorda assustado, achando que ela vai cair. Tem hora que parece um apito, cachorro latindo, um avião que nunca decola”, conta Acácio.
Acácio é um dos moradores que começaram a tomar remédios para insônia e ansiedade. “Se estou nervoso, o barulho só piora”, diz.
Alguns metros à frente, em uma casa também rodeada por aerogeradores, a dona de casa Edna Pereira, de 44 anos, diz tomar quatro remédios para dormir, além de outros para controlar a ansiedade e a dor de cabeça.
“Os médicos estão aumentando os miligramas. O remédio para dor de cabeça era de 25 miligramas, agora é de 100. O para ansiedade era de 10, agora é de 150. O remédio para dormir era só um, agora são quatro. E, mesmo assim, não consigo dormir”, diz Edna, segurando uma caixa onde guarda os medicamentos.
Edna costuma ir para a casa da filha, fora da comunidade, para tentar “um alívio para minha cabeça”, diz.
“Só que fica o barulho delas dentro do meu ouvido. Posso ir para onde eu for, que o barulho fica no meu ouvido. Não sai, não sai.”
Terra dividida
A zona rural de Caetés é dividida em pequenas propriedades na caatinga. Por volta de 2012, as empresas procuraram agricultores que aceitassem arrendar suas terras para a instalação dos aerogeradores. Esse modelo é o mais comum no ramo.
Quem aceitou passou a receber 1,5% do valor da energia gerada em cada torre, cerca de R$ 2 mil mensais.
Essas pessoas, que melhoraram consideravelmente de renda com isso, saíram de suas terras e foram viver na zona urbana.
A reportagem tentou conversar com algumas delas, mas o termo assinado com as empresas exige “confidencialidade” sobre o assunto.
A BBC News Brasil teve acesso a dois contratos oferecidos a agricultores por duas empresas diferentes em cidades do Nordeste.
Além de autorizar a transferência do terreno para outra empresa sem a necessidade do aval do proprietário, um dos documentos afirma que o contrato tem duração de 49 anos e informa que só pode ser rescindido pelo agricultor em “comum acordo” com a companhia.
O prefeito de Caetés, Nivaldo Martins (Republicanos), afirma que, no geral, a chegada das eólicas levou mais benefícios do que problemas à cidade.
“Tem famílias que têm seis torres… Vamos dizer que ela receba R$ 2 mil por cada uma. São R$ 12 mil por mês”, diz. “Os parques tiveram um impacto importante na renda da cidade. As pessoas pegaram esse dinheiro e fizeram construções aqui, ou compraram casas prontas e vieram viver na zona urbana.”
O prefeito, cujo gabinete é decorado com imagens de torres eólicas, afirma que as empresas “não explicaram direito” aos moradores quais seriam os impactos na saúde e que a Secretaria da Saúde do município tem prestado atendimento às comunidades.
Também diz que a prefeitura não teve participação nas negociações com as empresas nem tem direito a royalties pela energia gerada — recebe apenas impostos indiretos.
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