Por Junior Almeida
Na década de 1930 existia na então vila pertencente a São Bento do Una, Capoeiras, Pernambuco, apenas um homem era responsável pela limpeza do lugarejo: Evaristo, casado com Quitéria lavadeira. O casal morava na saída da vila para Caetés e Garanhuns, às margens da estrada velha, onde depois foi o sítio de Antônio Veloso e nos dias atuais fica próximo do prédio que funciona a cadeia pública. “Seu” Evaristo mesmo confeccionava sua principal ferramenta de trabalho, que era uma enorme vassoura de um mato chamado sacatinga (Julocroton humilis).
A vassoura propriamente dita era quase do seu tamanho e, isso sem contar com o cabo. Provavelmente a paga pelo serviço ele recebia dos Borregos e mais alguns trocados dos moradores. Nessa época Capoeiras não tinha mais do que oitenta imóveis construídos, entre pontos comerciais e residências. Saneamento não existia e, só aproximadamente 20% das casas possuíam banheiros com vasos sanitários. Nos 80% restantes o “serviço” era feito no bom e velho penico, que logo depois do amanhecer de cada dia eram descarregados nos matos que rodeavam o lugarejo.
Duas décadas depois ainda não havia em Capoeiras coleta de lixo por parte do poder público. Era cada um por si e a sujeira para todos. Os moradores juntavam seus lixos, muitas vezes por uma semana, em barricas de bacalhau, em latas de querosene ou em velhas bacias de zinco, e depois, jogavam tudo num monturo qualquer. A partir de 1951 a coisa melhorou um pouco. Os irmãos Antônio e Manoel Calistrato, mais Antônio Preto, arrumaram o emprego para fazer a coleta de lixo. Como em Capoeiras só existia a rua do comércio, atual Praça João Borrego, o serviço não era tanto, e o lixo era recolhido num carroção à tração animal, que consistia num carro de boi maior do que os normais, que ao invés dos simples fueiros tinha grades em todos os lados e era puxado por uma junta de bois, “Moreno”, o boi preto e “Coração”, o animal de cor marrom.
Já depois de emancipado de São Bento, o município de Capoeiras era governado na época por José Soares de Almeida, o Zezinho Borrego, que comprou um caminhão Ford F600, o primeiro veículo da nova cidade destinado a dentre outros trabalhos, recolher o lixo. De lá para cá, vários tipos de veículos foram utilizados no serviço da limpeza pública. Além dos carrinhos de mão rasos, do tipo que são usados em construções e os próprios para o trabalho dos garis, estes mais fundos, foram usados as motorizadas caçambas, tratores com reboques, caminhões e até um “chique” caminhão com compactador, sendo esse último utilizado em Capoeiras já na década de 2000, no governo do então prefeito Nenen de Olegário.
Atualmente (2018) existe no município mais de um carro do lixo; um “caçambão” do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento – do governo Lula, e outro caminhão caçamba de um programa estadual, além de um velho Mercedes Benz azul contratado para ajudar a dar conta do serviço. Enquanto as caçambas, por serem mais novas e mais potentes pegam no pesado sendo usadas na recuperação das estradas da zona rural, o caminhão com carroceria de madeira fica com a parte do lixo, um servicinho mais maneiro.
A curiosidade deste carro usado para coletar lixo é que ele tem uma potente caixa de som, quase um “paredão”, o que faz com que os moradores saibam quando ele está se aproximando quando a caixa vem ligada. Os ajudantes de caminhão parecem não ter tristeza quando trabalham e dizem gostar da zoada, pois ajuda o tempo passar mais rápido no árduo trabalho.
O motorista, “Lodoínho”, filho e neto de vaqueiro, é um entusiasta do forró de vaquejada, e no repertório do carro do lixo não falta as músicas de Alcymar Monteiro, Fon de Alagoinha, Zé de Almeida, Vavá Machado e Marcolino, dentre outros. O avô do motorista, Londonho França, é um conhecido vaqueiro de toda região. Ele possuiu por muito tempo um cavalo filho de um garanhão que pertenceu ao Rei do Baião, Luiz Gonzaga, o qual deu o nome de “Gonzaguinha”. Esse animal era seu xodó.
Com exceção do tal funk, outros ritmos também são ouvidos no animado caminhão do lixo, afinal, os garis e outros ajudantes também tem seus gostos musicais. Toca tudo, desde o reggae de Edson Gomes, passando pelo samba, lambadão até os "breganejos" paulistas. Menos o tal funk. Minha terra é animada até no duro trabalho de limpar a cidade, pode crer.
Coisa parecida, em relação a som, eu só vi certa vez em Buíque, que também fica em Pernambuco. Lá por 1997 eu fui por lá jogar futebol no time do Acorda Cedo e, ao final da partida foi servida uma recepção para nós visitantes. Comida e bebida à vontade e um curioso serviço de som animando o ambiente. Um automóvel Santana Quantun funerária, com logomarca, giroflex e tudo mais, de mala aberta com uma caixa de som tocando os sucessos da época. Diga lá, se tem tristeza nem pra defunto!
Junior Almeida e escritor, autor dos livros: "A Volta do Rei do Cangaço"; e “Lampião, o Cangaço e outros fatos no Agreste Pernambucano”. Reside na cidade de Capoeiras - PE, onde é comerciante.